Lesbofeminismo

Bhainá
4 min readJun 2, 2019
Imagem: http://cargocollective.com/herikitaconk

Aos 13 anos reconheci meu interesse afetivo e sexual por outras mulheres e convivi bem com a minha suposta bissexualidade por toda minha adolescência. Até que me deparei com as teorias lésbicas e o feminismo radical. E quero tratar sobre os efeitos desses movimentos sobre minha sexualidade.

O feminismo radical, em específico, me mostrou o quanto nós mulheres necessitamos de priorização, do quão violenta é nossa experiência no mundo e de toda dedicação que a situação das mulheres demanda.

Aprendi também, com aprofundamento nos estudos de Simone de Beauvoir, que não conhecemos (se é que há) algum tipo de “essência” feminina. Eu não sou do tipo essencialista, mas em uma frase que li sobre esse desconhecimento da “essência” da mulher, me fez pensar que esse produto que temos no mundo enquanto representação feminina, nada mais é do que algo forjado.

Não penso que mulheres sejam iguais, apesar das experiências em comum, vejo em cada uma de nós a potência da construção de nossa autenticidade. É no processo de reconhecimento que construiremos nossas singularidades para parir o novo mundo.

Eu acredito nas mulheres, em toda sua potencialidade de superar a lógica masculina, a visão e organização masculina do mundo. Em superar o racismo e o capitalismo. Mesmo falando das mais privilegiadas, brancas e/ou ricas. Sendo eu uma mulher mestiça da periferia, ainda sim enxergo e acredito no potencial feminino de superação das hierarquias de poder.

Sei que fora da nossa bolha feminista o mundo não anda tão esperançoso assim, mas temos que expandir nosso alcance. Esse conceito de bolha social que se formou agora, ele não é de todo ruim. Gostaria eu de estar em uma bolha apenas com as mulheres do mundo, imaginem que lindo será quando vivermos sem reconhecer a eles como parte da nossa comunidade.

Óbvio que não podemos ser ingênuas ao ponto de pensar que uma paz como essa chegará de forma pacífica. Será necessário muita luta e perseverança para alcançar todas as meninas, mulher e senhoras, uni-las para construir esse oásis.

As teóricas lésbicas me mostraram a potencialidade revolucionária em amar outras mulheres. O reconhecimento da nossa categoria e o entendimento da nossa situação no mundo, atrelados, me mostraram um caminho para mudar a realidade das mulheres efetiva e afetivamente. Que se desencadeia, em macro-escala, na quebra das principais lógicas masculinas: o fim da rivalidade entre mulheres, promovendo o afeto romântico e de amizade entre nós. O que, com a ampliação dessa afetividade, já seria um grande acumulo de forças e ações para desmantelar a lógica falocêntrica.

Eu ouvia muito “amar outra mulher é um ato revolucionário” antes de estudar as radicais e não entendia bem, nem compreendia sua amplitude. Até conhecer a história das origens da dominação das mulheres. Reconhecer na nossa sexualidade, na nossa realidade material um campo de batalha contra o poder e as mãos masculinas.

Amar outras mulheres é protegê-las e autoproteção ao mesmo tempo. É tirar das mãos dos homens corpos femininos, que para eles não passam de objetos desumanizados e hipersexualizados. É retirar deles o poder de nos torturar diariamente, noite após noite, dia após dia. É nos salvar, ao menos nesse ponto, da exploração e abuso masculino.

É fácil saber que a existência lésbica não é nenhum conto de fadas em uma sociedade hétero patriarcal. Mas a experiência heterossexual para mulheres é como um conto de terror onde a sociedade só nos conta a parte dos galanteios, as flores, as festas e os filhos. Onde tudo o mais que se apresenta na esfera do privado é ignorado, todo o terror da vida heterossexual que as mulheres vivem. Que só passou a ser desmascarado pela coragem de mulheres feministas, quando resolveram denunciar inicialmente a fantasia masculina.

A experiência lésbica não é um conto de fadas, mas é o que mais se assemelha de uma revolução sexual. É a única forma de dedicar afeto e desejo, ação ética e respeito dentro do campo sexual e afetivo das mulheres.

É frear o avanço dos homens sobre os corpos das mulheres, é tomar para si, dentro das limitações da nossa opressão, as rédeas do nosso potencial sexual e até reprodutivo (tomando a situação de mulheres heterossexuais como base).

Só há três anos que conheci esse caminho, que por mais cheio de traumas ele possa ser para muitas, sei que há na sua finalidade algo maior do que podemos imaginar em um mundo como o de hoje. A celebração entre mulheres e a autonomia feminina.

As teóricas lésbicas me impulsionaram a repensar minha sexualidade que ainda tem ligação com o masculino, por isso tantos pontos em relação a heterossexualidade. Me impulsionaram mais exatamente a formular perguntas (que é o que uma estudante de filosofia mais gosta rs). Tenho procurado essas respostas em mim mesma com todo acumulo de conhecimento que tenho do mundo. Não tem sido fácil, mas reconhecer a si mesma é abandonar o que tentam fazer de nós. A velha máxima filosófica “conhece-te a ti mesma” nunca fez tanto sentido.

--

--

Bhainá

Fêmea forjada pela socialização patriarcal, me desconhecendo para dar lugar à singular divindade que toda fêmea humana é.